quarta-feira, 13 de abril de 2022

O impacto de “Semantic Error”!

Bem-vindos ao Otaku Face! Hoje trazemos a tradução de uma publicação do jornal sul-coreano The Hankyoreh, que fala sobre o impacto que a série BL "Semantic Error" teve na audiência sul-coreana nesse começo de ano. Espero que gostem da reportagem e deixem nos comentários a opinião de vocês sobre "Semantic Error"! 

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Trazendo destaque aos BL, "Semantic Error" marca uma grande 
mudança em histórias LGBTQ nas telas coreanas

Conforme o gênero "boys' love" ganha visibilidade, ele está se transformando em um gênero voltado a um público mais amplo, talvez servindo como um ponto de partida para uma possível diminuição dos preconceitos sociais.

Imagem de "Semantic Error", estrelando Park Jae-chan como Chu Sang-woo (direita) e Park Seo-ham como Jang Jae-young (esquerda). (cedido por Watcha) 

Qual a principal série de romance da Coreia em 2022? Esse é o tipo de pergunta que nós possivelmente estaremos fazendo em dezembro. Ainda restam nove meses em 2022, mas a resposta já é clara: "Semantic Error" é a série que está movimentando as comunidades online. Indo direto ao ponto, "Semantic Error" é uma série polêmica que definiu um novo gênero no mundo restrito das séries de romance coreanas. Qualquer um que assistiu à série pode achar que estou fazendo tempestade em copo d'água, mas xiu. Nós dois sabemos o quanto a série te impactou enquanto você assistia, assim como os seguidores da conta trancada que você gerencia usando outro nome também sabem. 

"Semantic Error" é a primeira série original da plataforma de streaming sul-coreana Watcha. É assim que funciona com os sites de streaming: 10 mil wons1 por mês não pesa tanto na carteira. Mas os últimos anos levaram a uma revolução dos streaming, e com ela um aumento no número de serviços que pedem por uma assinatura separada. No meu caso, atualmente eu assino a Netflix, Disney+, Apple TV+, e os serviços de streaming sul-coreanos Tving e Watcha. Não tenho muita escolha no assunto, já que eu pago as contas escrevendo sobre mídia. O seu caso é provavelmente diferente do meu. Você ainda tem dúvidas se precisa assinar ou não diferentes serviços. Se você acredita que as taxas da KBS2 são dinheiro jogado fora, você não vai querer ser assinante da Watcha. Então, será que você deveria assinar? Cabe a você decidir depois de ler este artigo. 

Imagem de "Semantic Error" (cedido por Watcha)

Que tipo de série é "Semantic Error"? É uma série do gênero que os coreanos chamam de "BL", baseada em uma história online da autoria de Jeosuri e em sua adaptação para webtoon. "BL" é a abreviação de "boys' love", um gênero focado no romance homossexual entre dois homens. A história de "Semantic Error" é bem básica: Choo Sang-woo (interpretado por Park Jae-chan) é um estudante de ciência da computação que olha para tudo com uma visão lógica. De repente, ele é confrontado por Jang Jae-young (Park Seo-ham), um estudante de design que é diferente dele em todos os aspectos. Para Sang-woo, Jae-young é um "erro semântico", um termo usado na computação para se referir a uma falácia lógica. Os dois se confrontam e brigam antes de, no fim, se apaixonarem. A esta altura, você pode estar se perguntando outra coisa. Por bastante tempo, ouvimos falar do gênero conhecido como "cinema queer". Você talvez esteja pensando em por que se referem a "Semantic Error" como uma série "BL" ao invés de uma série "queer".

O conceito de BL se originou no Japão. Anteriormente conhecido pelo termo um tanto pejorativo "yaoi", o BL se distanciou do tipo de narrativa queer criada pelas próprias pessoas LGBTQ. O gênero começou com a "JUNE" (pronuncia-se "djunê"), uma revista de quadrinhos publicada desde 1978, originalmente relacionado a uma fantasia erótica direcionada à um nicho de fãs, em sua maioria mulheres. As histórias BL quase não incluem nenhuma das realidades enfrentadas por pessoas LGBTQ. Ao invés disso, elas contam a história de personagens masculinos no estilo de quadrinhos entregando-se aos seus desejos sexuais. Nos anos 90, o subgênero do BL passou por um crescimento explosivo. Na metade da década, uma abundância genuína de obras BL pirateadas adentrou a Coréia do Sul, começando por "Zetsuai" (1989), da lendária Minami Ozaki. Me lembro de fazer sua leitura discretamente no canto da loja de quadrinhos, verificando se a capa não estava à mostra para mais ninguém, é claro.

O BL do começo dos anos 2000 e o de hoje são diferentes. Enquanto o BL era incialmente um gênero obscuro, o BL dos dias de hoje está se tornando cada vez mais radiante. Escritores japoneses populares de BL, como Fumi Yoshinaga, têm alcançado grandes desempenhos ao incorporar neles narrativas queer mais realistas. Entre os principais trabalhos de Yoshinaga estão "Antique Bakery" (1999), que foi adaptado para o filme coreano "Antique", e "What Did You Eat Yesterday?" (2007), série que atualmente está disponível pela Watcha. "New York New York" (1995) é a obra-prima de Marimo Ragawa, uma combinação quase perfeita de BL e narrativa queer realista. Filmes queer começaram a surgir de fato na Coréia do Sul no mesmo período em que o BL japonês de ficção estava emergindo. A onda talvez tenha começado em 2006 com "No Regret", do diretor Lee-Song Hee-il. O mais interessante é que a fanbase mais apaixonada de "No Regret" era formada pelos aficionados por BL. Desde então, o BL ultrapassou a fantasia erótica e se incorporou em narrativas queer mais sérias. Não parece mais ser possível aplicar qualquer distinção simples entre "BL" e "queer".

Imagem de "Semantic Error" (cedido por Watcha)

É possível que você ainda não esteja aberto para os BL, é claro. A maioria das histórias BL omitem todo o preconceito e ódio que pessoas LGBTQ realmente enfrentam. Aqueles que querem ver narrativas queer mais sérias ainda podem se sentir desconfortáveis com o gênero. Entretanto, para que as narrativas queer se popularizem, nós também precisamos das fantasias que vão deixar mais pessoas confortáveis enquanto assistem. Em 2010, "Life Is Beautiful" (2010), do escritor Kim Soo-hyun, se tornou a primeira série de TV sul-coreana a apresentar uma história de amor envolvendo um casal gay. Porém, ela também foi restringida à realidade, já que os personagens permaneceram com medo de serem descobertos. "Semantic Error" é diferente. O medo associado a ser descoberto e exposto para os outros é quase inexistente. Também falta muito do sexo presente de forma tão forte no material fonte disponível online. Em diversas entrevistas, a diretora de "Semantic Error", Kim Soo-jung, explicou que ela tentou "fazer uma série leve para aqueles que estão se deparando com o gênero BL pela primeira vez." A série se mantem com convicção dentro do fantasioso universo dos fofos romances universitários.

E isso é tão ruim assim? Conforme o BL tem ganhado visibilidade, ele tem se transformado em um gênero voltado a um público mais amplo. Essa evolução também tem sido interessante, no sentido de que ele pode proporcionar um ponto de partida para uma possível diminuição dos preconceitos sociais. Em 2015, a série "Schoolgirl Detective", da JTBC, passou por medidas disciplinares pela Comissão de Normas Comunicacionais da Coréia (KCSC)3 por incluir um beijo homossexual. A série online "Lily Fever", centrada em um casal lésbico, também recebeu um pedido de "ações corretivas" pela KCSC em 2016, por "violar costumes decentes e a ordem social". Apenas seis anos depois, agora nós podemos assistir séries que incluem cenas românticas de beijo entre casais homossexuais sem que haja nenhuma penalização por elas. Isso representa o começo de uma transformação talvez ainda maior do que nós havíamos imaginado. Ao mesmo tempo, o Japão, país de origem do gênero BL, está vivenciando o que pode ser bem chamado de uma "revolução BL". "Ossan's Love" (2018), que foi ao ar pela TV Asahi, foi um sucesso sem precedentes para uma série com tématica BL, assim como séries posteriores, como "Cherry Magic!" (2020). A Coréia do Sul hoje parece estar seguindo os passos do Japão com filmes "leves" e adaptações para TV de histórias BL.

Imagem de "Semantic Error" (cedido por Watcha)

Para aqueles que estão pensando em assinar a Watcha e assistir "Semantic Error" depois de ler essa publicação, eu devo avisar que a série não é um trabalho dos mais sofisticados. Está mais próximo de uma série online produzida com baixo custo e feita para agregar um mercado de nicho por um serviço de streaming da Coréia do Sul que não possui todos os recursos para lidar com a abundância de conteúdo disponível em serviços internacionais, como a Netflix. Mas o sucesso de "Semantic Error" tem sido gigantesco, no sentido de que ela tem invadido esse mercado de nicho e abrindo suas portas, e a tendência é que, no futuro, esse mercado fique ainda maior. Me arriscaria a prever que, em breve, estaremos assistindo séries de temática BL não apenas em sites de streaming, mas também na TV a cabo e nos canais abertos. Dentro do mundo de minisséries sul-coreanas, esta série foi um belo "erro".

Texto de Kim Do-hoon, autor e crítico de cultura pop.

Caso tenham dúvidas ou comentários, enviem (em inglês) para o e-mail: english@hani.co.kr.

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Notas de tradução:

1. Won: moeda utilizada na Coréia do Sul. 1 real equivale a 262,28 wons. 10 mil wons equivalem a  aproximadamente 38,09 reais.

2. Korean Broadcasting System, ou KBS (Sistema de Radiodifusão Coreano): é a emissora pública nacional da Coreia do Sul. Ela opera serviços de rádio, televisão e mídia on-line, sendo uma das maiores redes de televisão sul-coreanas.

3. Korea Communications Standards Commission (KCSC), em inglês.

Tradução do inglês por Caio Martins Lopes
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Obrigado pela leitura! Espero que tenham gostado e não deixem de comentar. Até mais!


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